O QUE É O PERDÃO
O perdão
na visão da Psicologia profunda é dar o
direito de cada um ser como é. E também a nós o direito de sermos como somos. Se o próximo é assim, não nos cabe modificá-lo, mas
se estou assim, tenho dever de modificar-me para melhor. Não posso impor-me ao
outro, porque minhas palavras serão apenas propostas. Eu que estou desejando
ser feliz tenho a psicologia da minha autotransformação. E nunca devolverei mal
por mal; procurarei sempre retribuir o mal com o bem.
Se o outro
é um caluniador, não posso me permitir ser igual a ele. Toda vez que fico com
raiva a pessoa está me manipulando, e eu não deixo ninguém me manipular. Não
posso permitir que um desequilibrado me oriente. Sou eu a pessoa saudável; não
devo dar a ele a importância que se atribui. Devo olhá-lo como um terapeuta
olha um doente. Se tenho uma visão diferente da vida, e se desejo transmitir
esta visão, é nobre; mas não posso esperar que o outro a acate, porque ele está
em outro nível de evolução. Devo dar o direito ao outro de ser inferior, se
isto lhe agrade. Se achamos que ele nos ofendeu, a nossa é uma situação
simpática. Se ele nos caluniou, tanto eu como ele sabemos que é mentira dele.
Se nos traiu, somos a vítima e ele sabe que é nosso algoz. Então o problema é
da consciência dele. Não devemos cultivar animosidade, e sim perdoar. Não
ficarmos manipulados, dominados pelo ódio, odiando também.
Esquecer é outra coisa. Na luz da Psicologia profunda o perdão não tem
nada a ver com o esquecimento. Na visão espiritualista o perdão é o total
esquecimento. São
dois pontos diferentes. Não devolver o mal depende de mim; esquecer depende da
minha memória. Muita coisa eu queria esquecer e simplesmente não
esqueço. Se dou um golpe num móvel e causou uma lesão nos tecidos da mão, essa
lesão só vai desaparecer com o tempo, quando o organismo se recompor. Eu posso
reconhecer que não devia ter feito, mas esse reconhecimento não tira o dano que
causei. À luz da Psicologia profunda, o perdão é exatamente não devolver o mal.
Tenha a raiva, mas não a conserve que faz muito mal. Á predominância da
natureza animal, sobre a espiritual, questão 742 do Livro dos Espíritos.
Sentimos o impacto e não temos como evitar a raiva, é fisiológico, reagimos no
momento. Mas conservar a mágoa é da minha vontade. Se eu conservar a mágoa
tenho um transtorno psicológico, sou masoquista, gosto de sofrer. É tão
maravilhoso quando a gente ouve: Coitado! E aí fica pior. O outro vai embora e
a gente fica aquele depósito de lixo, intoxicando-se. O racional é nos
libertarmos de tudo que nos perturba. Somos seres inteligentes e possuímos os
mecanismos de libertação.
Geralmente
dizemos: Mas ele não devia ter feito isto comigo. Mas fez, o problema é dele.
Quem rouba, quem furta é que é o ladrão. Já está encarcerado na consciência
culpada. A visão psicológica do perdão é diferente da visão espiritualista do
perdão. Como seres emocionais sentimos o impacto da agressão, mas não devemos
nos revoltarmos, e trabalhemos para esquecer.
A medida que formos trabalhando, a mágoa, a ofensa, vai perdendo o
significado. A medida que vamos descobrindo nossos valores, ela vai
desaparecendo. Quando estamos de bom humor,
ouvimos até desaforo e dizemos: "Sabe que você tem razão?" Quando
levantamos de mau humor, só de a pessoa nos olhar, perguntamos: "Qual é o
caso?" Não é o ato em si; é conforme nós recebemos o ato." Divaldo conta o caso de alguém que, na festa de
aniversário, recebeu de uma pessoa que não gostava dela, como presente, um vaso
de porcelana, com um bilhete: "Recebe o meu presente, e dentro dele o que
você merece". Dentro dele havia dejetos humanos. No aniversário da pessoa
que havia enviado tal "presente", o nosso personagem lhe enviou o
mesmo vaso, com os dizeres:
"Estou devolvendo o vasilhame. O seu conteúdo coloquei num pé de roseira,
e estou lhe enviando as rosas que saíram dali". É um ato de perdão,
devolver em luz o que se recebe em trevas.
O esquecimento somente vem quando a memória se encarrega de diluir a
impressão negativa, o que demanda tempo, reflexão e auto-superação.
Perdão não
é conivência com a coisa errada. Quando uma pessoa me agride, eu não estou de
acordo com ele; simplesmente não estou contra ele. Se meu filho age
erradamente, está aturdido emocionalmente, é ingrato, faz tudo quando me
desagrada como se fosse de propósito, eu não estou de acordo, é lógico. Mas eu
não posso ficar contra ele. Porque mais do que nunca ele precisa de mim; ele
está doente. Não é normal, isto é, não é saudável uma atitude assim. Mas então
eu tenho o direito de me sacrificar? Sim, se aceitou a maternidade, a
paternidade, não há condição difícil. Ser co-criador é ser co-participador.
Será que Deus nos abandona toda vez que somos ingratos para com ele? que
blasfemamos, que fazemos tudo quanto não devemos? Então o perdão não é
conivência com a coisa errada. Não é uma atitude para fingir que tudo está bem.
Alguém nos prejudica e nos pede desculpa.
Respondemos:
"Ok! mas ele me paga". É melhor enfrentar a realidade. Quando alguém
nos disser "me desculpe", responderemos "Não posso. Hoje, eu não
posso. Estou muito magoado". A gente diz: "eu te perdôo!" e no
outro dia amanhece com dor de cabeça, porque não digeriu. O que devemos é não
devolver o mal que nos foi feito. A pessoa nos diz uma palavra grave, e nós
conseguimos segurar. Aí ela diz "você me desculpe, eu não tive a
intenção... Você vai perdoar?" — Estou pensando. — Mas então não perdoa?
você não é espírita? sou espírita, mas, agora, não tenho condição de perdoar,
agora me dê licença... Geralmente, dizemos: "Perdôo de todo o meu
coração"; perdoa, mas com ele nunca mais. E ainda pensamos: "Quem me
fizer, faça bem feito, porque não vai ter outra oportunidade". Entretanto,
o meu problema não é com ele, é comigo. Seja gentil com você. Se eu me permito
viver magoado, ressentido, sofrendo, como vou amar o outro? Eu mereço ter uma
vida melhor. Ao chegar ao escritório: "Bom dia!", o outro responde:
"não vejo porque seja tão bom assim". Não nos ofendermos com isso; se
ele está de mau humor é problema dele, A doença do mau humor requer tratamento
psiquiátrico.
Seja gentil com você. Ame-se. Não permita que ninguém torne sua vida
insuportável, nem para você, nem para os outros.
Divaldo
conta o caso da pessoa que foi visitar um hospital de doentes mentais e lhe
chamou a atenção, o psiquiatra. Noventa por cento dos agitados passavam perto
do psiquiatra, uns diziam: Dr. já estou curado; ele respondia: Ok!; outros
falavam absurdos, e ele ouvia, silenciava, ou concordava, e continuava a
caminhada. No final, o visitante perguntou o porquê da atitude dele, ao que
respondeu: Eu sou saudável, não posso me atingir com o que dizem ou fazem, pois
são doentes... E aí podemos perguntar: Será que a Terra não é um grande
hospital?...
A pessoa
saudável não faz o mal conscientemente a ninguém. Mas quando está de mal
consigo, agride o outro. Então seja gentil com você; seja honesto; está com
raiva, admita. Estou magoado, etc. Reprimir esses ressentimentos vai ficar lhe
prejudicando. Digira sua raiva; digira o ressentimento. Não os mantenha.
Necessário deixar cicatrizar; às vezes fica uma cicatriz e é necessário uma
cirurgia.
Devemos
nos empenhar em descobrir os nossos pontos vulneráveis. E Divaldo narra uma
experiência pessoal. "Depois de anos de auto-análise, descobriu alguns
pontos vulneráveis e começou a trabalhar esses pontos. Notou que atendendo o
público, às vezes ficava irritado. E descobriu que o ponto vulnerável era o
cansaço. Quando ia ficando cansado perdia um pouco a lucidez. O autógrafo é a
oportunidade de ter um contacto com as pessoas. Alguns são tímidos, não chegam
para conversar, pensam que vai incomodar. Mas o atendimento às vezes é
prolongado. Começa 18h30 e vai até 1h30, 2h da manhã ainda está em pé. Quando a
fila estava grande, ficava ansioso. Fez sua autoterapia: Está ali porque quer;
faz porque gosta. Certo dia, uma senhora, o anjo bom, lhe disse: "Pelo
menos me olhe". O sangue subiu, voltou. — Muito obrigado, porque a senhora
acaba de me ajudar. "Como me fez bem. Descobri o ponto vulnerável".
Devemos
dar o direito de a pessoa ser agressiva, mas não nos dar o direito de revidar a
agressão. A raiva é semelhante a uma labareda, ou um raio. Pode provocar danos
incalculáveis. É inesperada. O rancor é calculado. É necessário que aprendamos
a colocar um para-raio e evitemos os tóxicos do rancor. Porque esse rancor nos
dá prazer. Observamos mesmo entre os companheiros espíritas. Quando alguém que
não lhe é simpático sofre algum dano, algum sofrimento, a pessoa diz:
"Ah!
já esperava. Quando não faço, Deus faz por mim". Deus é pai dele; do outro
só é padrasto.
Não tenha
prazer na infelicidade de alguém. Se devemos ter compaixão de quem sofre,
devemos sentir prazer com a felicidade dos outros. Por seu intermédio, Bezerra
de Menezes fez uma prece em que pede em favor dos que fazem os outros sofrerem.
Geralmente pedimos pelos que sofrem, mas os que fazem sofrer estão em situação
pior. Geralmente, quando alguém progride nós temos inveja. Deus sabe como ele
conseguiu tal coisa. Devemos alegrar-nos
com o triunfo dos outros. É uma forma de perdoar a vida, por não nos haver dado
aquilo que outro recebeu. Saúde, sucesso financeiro, são responsabilidades,
provações.
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