O ANIMAL SATISFEITO DORME



O pensamento que intitula esta reflexão é de Guimarães Rosa, e encerra, por trás de aparente obviedade, um profundo alerta existencial.
O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital, toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão.
Rende-se assim à sedução do repouso e imobiliza-se na perigosa acomodação.
A advertência é preciosa pois, segundo o pensador Mario Sérgio Cortella, que aborda o tema, a satisfação conclui, encerra, termina.
A satisfação não deixa margem para a continuidade, para prosseguimento, para a persistência, para desdobramento.
A satisfação acalma, limita, amortece.
Diz ainda, que, quando alguém nos fala: Fiquei muito satisfeito com você ou Estou muito satisfeito com seu trabalho, é algo assustador.
Explica ele que tal expressão pode ser entendida como uma barreira ao crescimento, dizendo que nada mais de nós desejam, ou que aquele é nosso limite, nossa possibilidade.
está bom como está pode ser um grande cerceador da evolução, pois pode nos acomodar à situação atual.
Segundo ele, seria muito melhor ouvir a seguinte expressão: Seu trabalho é bom mas fiquei insatisfeito, e portanto, quero conhecer outras coisas.
Percebamos que ele se utiliza da expressão insatisfeito, não para criticar ou depreciar o trabalho, mas para incentivar seu autor à continuidade.
Um bom filme, por exemplo, não é aquele que, quando termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando quietos para a tela, enquanto passam os créditos, desejando que não acabe?
Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, o deixamos no colo, absortos e distantes, pensando que poderia não terminar?
Uma boa festa, um bom passeio, uma boa viagem, não é aquela que desejamos se prolongue, que nunca acabe?
É desta forma que, segundo Cortella, a vida de cada um também deve ser, afinal de contas, não nascemos prontos e acabados.
Ainda bem, pois estar plenamente satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.
Termina ele dizendo que somos seres de insatisfação, e precisamos alguma dose de ambição em nossas existências.
O animal satisfeito dorme, pois não tem objetivos de vida, não tem razão para sair do lugar.
O ser insatisfeito, sedento por melhorar-se, pára por pouco tempo, avalia-se, celebra e valoriza o que já conseguiu. Depois, segue em frente, rumo ao inexplorado.

Fonte: Redação do Momento Espírita com base no texto Não nascemos prontos, do livro Não nascemos prontos - provocações filosóficas, de Mário Sérgio Cortella, ed. Vozes.

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